Rótulos de Alimentos: Como as Novas Regras Podem Transformar Suas Escolhas Alimentares
Quando você vai a um supermercado, você presta atenção na rotulagem dos alimentos? Escolhe os produtos pela embalagem, pela marca, pelo sabor ou leva em conta também o valor nutricional? Saiba que a nova legislação vai padronizar as informações nutricionais dos alimentos embalados e ajudar você a fazer melhores escolhas.
As mudanças na rotulagem foram estabelecidas pela RDC n° 429 e pela IN n° 75, ambas publicadas pela Anvisa em outubro de 2020. O objetivo das normas é melhorar a clareza e legibilidade dos rótulos dos alimentos e, assim, auxiliar o consumidor a fazer escolhas mais conscientes, assunto tratado por Helena Muzzi da Essência do Vale no artigo Tabela Nutricional: Qual o Tamanho da Porção dos Alimentos?. As novas normas também reúnem recomendações já existentes em leis anteriores.
1- O que mudou com a nova legislação?
A nova legislação trouxe mudanças nos rótulos dos alimentos, acrescentando novas informações e padronizando as já existentes. As alterações tratam da Tabela de Informações Nutricionais, da nova rotulagem frontal e das alegações nutricionais nas embalagens.
2 – Qual a importância da informação nutricional para uma boa alimentação?
Segundo o Ministério da Saúde, a prevalência da obesidade em adultos no Brasil aumentou 72% nos últimos 13 anos, saindo de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2018. Mais da metade da população brasileira, 55,4%, tem excesso de peso, segundo dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico de 2019 – Vigitel.
Os números brasileiros corroboram com levantamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS), que estima que o sobrepeso e a obesidade afetem mais de 2 bilhões de adultos, prevalência que quase triplicou em 40 anos.
Com o aumento do número de obesos, também crescem as estatísticas de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como diabetes, pressão alta e vários tipos de câncer, além do comprometimento da qualidade de vida do indivíduo de forma geral.
Sabe-se que a crescente industrialização de alimentos é um dos fatores que contribuem para esse cenário. Por isso, fornecer informações mais claras e precisas nos rótulos pode auxiliar a conter essas estatísticas, principalmente no que se refere ao consumo de açúcares, sódio e gorduras.
Áreas de nutrição ou tecnologia de alimentos têm visões um pouco distintas, mas todos concordam sobre a importância de melhores informações para que as pessoas façam escolhas mais conscientes.
3 – O que mudou na Tabela de Informações Nutricionais?
A Tabela de Informações Nutricionais, que fica na parte de trás do rótulo, sofreu várias alterações, como padronização gráfica das cores (fundo branco e letras pretas), da fonte, alinhamento, tamanho e localização no rótulo.
A alteração mais significativa foi a padronização das medidas. Agora, todas as tabelas terão que trazer uma coluna a mais, com os valores nutricionais por 100 gramas (100g) ou 100 mililitros (100 ml), facilitando assim a comparação entre produtos com tamanhos diferentes de embalagem. “Cada um tinha uma medida, aí o consumidor tinha que fazer uma regrinha de três para comparar uma marca e outra. Agora, fica mais clara a comparação, pois está padronizado”, destaca a professora Sandra Tavares.
Outra mudança foi a separação entre açúcares totais e adicionados ao alimento. Açúcares adicionados são os açúcares simples (mono e dissacarídeos) acrescentados aos alimentos, como por exemplo açúcar de cana, açúcar de beterraba, açúcares de outras fontes, mel, xaropes, entre outros. Já os açúcares presentes naturalmente nos alimentos, como frutas, sucos, leite, ou resultantes de fermentação, contam como açúcares totais.
Há ainda as informações nutricionais que obrigatoriamente devem estar na tabela: valor energético, carboidratos, açúcares totais, açúcares adicionados, proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas, gorduras trans, fibra alimentar e sódio. Dependendo do produto, pode haver também as complementações, como vitaminas e sais minerais.
4 – O que é a rotulagem frontal?
A rotulagem frontal visa alertar o consumidor acerca das quantidades de sódio, açúcar adicionado e gorduras saturadas presentes nos alimentos, três nutrientes cujo excesso pode ser prejudicial, e deve ser aplicada a alimentos embalados na ausência do consumidor.
Trata-se de retângulos acompanhados de uma lupa, com o dizer “alto em…”, e que devem estar na metade superior da embalagem.
A rotulagem frontal não se aplica ou é voluntária (opcional) para os seguintes alimentos, desde que não sejam adicionados açúcares, gorduras saturadas ou sódio:
- Alimentos cuja superfície visível para rotulagem seja menor ou igual a 100 centímetros quadrados;
- Alimentos embalados no ponto de venda a pedido do consumidor;
- Alimentos embalados que sejam preparados ou fracionados e comercializados no próprio estabelecimento;
- Bebidas alcoólicas;
- Gelo destinado ao consumo humano;
- Especiarias, café, erva-mate e espécies vegetais para o preparo de chás;
- Vinagres;
- Frutas, hortaliças, leguminosas, tubérculos, cereais, nozes, castanhas, sementes e cogumelos;
- Carnes e pescados embalados, refrigerados ou congelados.
5 – Quando o produto precisa ter a rotulagem frontal?
O professor Luciano Malfatti considera que as quantidades de açúcar e sódio são adequadas, porém, vê problemas na indicação de gordura saturada. Para ele, o alerta de “contém gordura trans” deveria ser mais evidenciado. “A gordura saturada não é prejudicial à saúde. É mais uma questão calórica do que nutricional”, alerta. Segundo Luciano, até 2002, os rótulos traziam a informação “rico em colesterol”, porém, essa informação foi tirada, pois constatou-se que a gordura saturada, por si só, não é responsável pelo aumento do colesterol.
A professora Emilaura tem a mesma opinião, de que a gordura trans, ou gordura vegetal hidrogenada, traz mais problemas para a saúde que a gordura saturada, e por isso poderia estar no alerta da rotulagem frontal.
6 – O que são alegações nutricionais?
As alegações nutricionais são informações opcionais nos rótulos dos alimentos. São aquelas que indicam “rico em… ou “fonte de…”, “sem adição de…”, “baixo em…”.
A nutricionista Emilaura explica que se um produto declarar “rico em…”, ou “fonte de…” no rótulo frontal, esse nutriente também deve estar declarado na tabela nutricional, mesmo que não seja um elemento obrigatório, e desde que tenha um valor mínimo para que seja mencionado.
Além disso, o professor Luciano alerta que quando o produto já tem algum valor nutricional natural, ele não pode ser alegado. Por exemplo, os azeites são ricos em ômega 3 e 6, mas não podem mais trazer essa informação, pois naturalmente já possuem essas substâncias. A nova legislação traz uma opção para esse caso, mas com uma exigência: por exemplo, se o rótulo de uma aveia disser “rico em fibras”, ele deverá trazer, logo abaixo, a informação “como toda a aveia”, pois toda a aveia é rica em fibras, assim como todo óleo vegetal é rico em ômega 3 e em gorduras insaturadas.
Cristiany complementa que a nova legislação não mudou muito a questão de vitaminas e minerais, mas condensou informações que estavam em outras normas e hoje estão em uma só. O que mudou foi que agora é proibido colocar “reduzido em sódio/gordura/açúcares” no rótulo. Se o produto for rico em algum desses elementos, e reduzir a quantidade, ficando dentro dos limites estabelecidos na tabela de rotulagem frontal, ele ainda vai apresentar o alerta “rico em…”.
Por exemplo, um produto com 30 gramas de açúcar a cada 100 gramas, se ele lançar uma nova formulação com 20 gramas de açúcar a cada 100 gramas, mesmo assim deverá usar o alerta “rico em açúcar” e não poderá alegar “reduzido em açúcar” no rótulo, para não confundir o consumidor.
7 – Quais os prazos para adequação da indústria?
A nova legislação entrou em vigor em 9 de outubro de 2022 e já é possível encontrar rótulos adaptados às novas regras. Porém, a obrigatoriedade passa a valer para produtos fabricados a partir das seguintes datas:
- Até 9 de outubro de 2023: alimentos embalados em geral. Essa norma vale para produtos embalados a partir desta data;
- Até 9 de outubro de 2024: alimentos fabricados por agricultor familiar ou empreendedor familiar rural, empreendimento econômico solidário, microempreendedor individual, agroindústria de pequeno porte, agroindústria artesanal e alimentos produzidos de forma artesanal;
- Até 9 de outubro de 2025: bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis, observando o processo gradual de substituição dos rótulos.
Os produtos fabricados antes da data de adequação, mas com prazo de validade que ultrapasse essa data, podem continuar sendo comercializados. Por isso o consumidor deve ficar atento à data de fabricação.
8 – Quais os pontos positivos e negativos da nova rotulagem nutricional?
Segundo a professora Sandra Tavares, o objetivo da Anvisa não é “causar alarme na população, mas instruir”. Anteriormente não havia padronização e como as empresas tinham essa liberdade, muitas vezes mascaravam essas informações relevantes para o consumidor.
Com essa nova rotulagem, fica mais fácil ao consumidor ter acesso à informação, mas a decisão quem toma é ele. “Não é somente a alimentação, outras questões influenciam, mas vão diminuir muito a incidência de doenças crônicas”, alerta Sandra.
Na opinião do professor Luciano, o consumidor vai saber melhor o que está consumindo. O que há hoje ainda é muita desinformação. “Tem aquele consumidor mais entendido, que vai buscar boas escolhas. Por outro lado, abre muita brecha para o que a gente chama de ‘terrorismo nutricional’. Por exemplo, todas as manteigas terão que ter a rotulagem nutricional frontal com alto teor de gordura saturada. Só que a gente sabe que a gordura saturada não é maléfica para a nossa saúde, aí o consumidor vai ficar com o pé atrás e vai buscar a margarina. Aí o que é melhor, a margarina, que tem gordura trans, ou a manteiga?”.
A visão da professora Emilaura, como nutricionista, é de que as informações ficarão mais fáceis de serem entendidas pelo consumidor, como por exemplo a padronização da porção na tabela nutricional. Outro avanço são as “lupas”, que trazem um conhecimento de que o consumo excessivo de sal e açúcar pode causar danos à saúde. “O mínimo de informação a população já capta, já pode fazer novas escolhas”. Por exemplo, um biscoito integral, zero glúten ou sem lactose pode também ser rico em sódio ou gordura saturada ao mesmo tempo.
Para a professora Sandra, com a nova legislação, as indústrias passarão a repensar a formulação dos alimentos, melhorando suas formulações para não precisarem colocar a alegação frontal nos rótulos.
9 – Por que não há alegação de calorias na rotulagem frontal?
O valor energético de um alimento, ou seja, quantas calorias ele possui em relação à necessidade diária de um indivíduo, já está disponível na tabela nutricional, mas não será obrigatório no rótulo frontal.
Para o professor Luciano, o controle de calorias seria uma informação mais efetiva. “Por exemplo, se eu reduzir a quantidade de gordura de um alimento, ele passa a ser light. Porém, para isso, eu preciso acrescentar outro ingrediente, e o alimento vai ter mais calorias que o outro normal. Assim, eu vou estar consumindo mais calorias por ter escolhido um alimento light”, exemplifica. Para o professor, uma boa qualidade nutricional deve levar em consideração toda a alimentação do indivíduo durante o dia, e não um produto isolado. Também precisa considerar se há problemas de saúde, como diabetes, colesterol alto, entre outros, além do estilo de vida da pessoa.
As professoras Cristiany e Emilaura trazem uma visão um pouco distinta a partir dos conceitos da nutrição, de que o foco deve ser no valor nutricional dos alimentos e não nas calorias. Essa orientação vem do Guia Alimentar para a População Brasileira, que privilegia a variedade de alimentos in natura ou minimamente processados.
“Saber quantas calorias tem, não quer dizer que o alimento é saudável”, alerta Cristiany. Para Emilaura, é importante para o consumidor saber que, se o alimento tem bastante gordura, açúcar e sal, ele jamais será saudável, mesmo que tenha poucas calorias. “A pegada é desmistificar que aquele alimento que é calórico vai ser pior ou melhor que aquele que é alto em gordura. Nem sempre é assim”, completa. “Eu posso consumir um abacate, que é bem calórico, mas ser mais saudável que um caramelo, que vai ter as mesmas calorias”, afirma Cristiany. Outro exemplo é a comparação entre um refrigerante sem açúcar e um suco natural: o refrigerante terá menos calorias, mas o suco é mais rico em nutrientes.
Na visão da nutricionista Emilaura, “é importante a gente ter um equilíbrio de energia, mas hoje a gente come muito mais errado pelo tipo de alimento que a gente está consumindo que pelo valor calórico como um todo. Para as pessoas que têm um peso normal, elas já estão consumindo um valor energético adequado, mas não necessariamente estão se alimentando bem, podem estar consumindo algo rico em gordura e açúcar, por exemplo”.
Além disso, ter uma alimentação saudável está além do controle do peso: “tem doenças que são silenciosas e não é somente o peso que influencia. A nossa dieta é muito pautada em modas, que consideram somente as calorias”. Já se deu muita ênfase aos alimentos diet e light, porém, sem ressaltar que esses produtos nem sempre têm calorias reduzidas. “O requeijão light tem redução de gordura, mas tem aditivos químicos para dar a textura da gordura”, destaca Cristiany.
10 – O que o consumidor precisa observar para aproveitar melhor essa informação?
O consumidor precisa ter um melhor conhecimento sobre o que são macronutrientes e aspectos nutricionais, alerta o professor Luciano. “Hoje a gente coloca tudo no mesmo balaio, isso é ruim e isso é bom, mas depende muito do individual. Um exemplo que sempre uso com meus alunos é o campeão olímpico Michael Phelps: ele tinha uma dieta de 8 mil kilocalorias por dia para aguentar os treinos. Será que uma salsicha ou um biscoito recheado vão fazer mal para ele? Mas para mim, que sou sedentário, passo a maior parte do dia sentado, há uma diferença entre nós dois”. Ele observa que deve ser realizado trabalho com a população no sentido de compreender o que significa cada informação no rótulo. “A grande dificuldade é fazer o consumidor saber o que está escrito”, resume.
Cristiany e Emilaura salientam que o fato de nem todas as marcas já terem se adequado à nova legislação pode levar o consumidor ao erro. Por exemplo, duas marcas de leite condensado, uma já adequada à legislação, com rotulagem nutricional frontal, e a outra não. Apesar de serem produtos com a mesma qualidade nutricional, a marca que já se adequou pode parecer menos saudável. Por isso o alerta para que o consumidor verifique, pela tabela nutricional, se o produto já está adequado à nova norma.
Segundo Emilaura, uma rotulagem mais clara e padronizada vai ajudar o consumidor a evitar “pegadinhas” e auxiliar os nutricionistas a orientarem melhor seus pacientes.
11 – Como foi o processo de elaboração das novas normas?
Em 2018, a Anvisa realizou consulta pública da qual participaram representantes de vários setores, como academia, Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), universidades, representantes da indústria, entre outros. Em 2019, a partir do relatório é que foram elaboradas as novas normativas.
A professora Cristiany destaca que a Aliança pela Alimentação Saudável reivindicou mais informações para a rotulagem frontal, mas nem tudo foi aprovado. As entidades e universidades sugeriram o uso do “triângulo” ou do “hexágono”, que simbolizam mais apropriadamente conceitos como “alerta” ou “perigo” e já são utilizados em outros países. Porém a própria Anvisa optou pelo formato da “lupa”.
Segundo Cristiany e a professora Emilaura, a influência dos representantes da indústria prevaleceu neste caso. Se a escolha da Anvisa se mostrará mais eficaz, somente estudos futuros poderão dizer, segundo a professora Sandra: “Primeiro precisamos esperar o consumidor se habituar à nova rotulagem para avaliar se ela está sendo efetiva ou não”.
A rotulagem frontal não é uma novidade, mas uma tendência em vários países. Na América Latina, o primeiro país a implantar regra semelhante foi o Chile, em 2016. México, Uruguai e países europeus já dispõem de regras parecidas. A professora Sandra observa que no Brasil os percentuais para que sejam inseridos alertas nas embalagens ainda são brandos em comparação a outros países, mas acredita que já é um bom início, sem que haja alarde.
12 – Quais as principais dificuldades em adequar os rótulos?
Mesmo a legislação estando em vigor desde 2020, a professora Cristiany observa que há poucos produtos já adaptados. No caso das grandes indústrias, o que acontece é que muitas já adquiriram embalagens em grande quantidade no formato antigo, e agora precisam terminar esses estoques. Já para os pequenos produtores a dificuldade é maior, pois nem sempre possuem profissionais com conhecimento na área.
Contribuiram para esse artigo: Professora Sandra Aparecida Tavares, zootecnista com mestrado e doutorado nas áreas de Ciência dos Alimentos e Nutrição e Produção Animal; Professor Luciano Heusser Malfatti, químico industrial de alimentos, do Câmpus Canoinhas; Professora Cristiany Martins, tecnóloga em Alimentos e Professora Emilaura Alves, nutricionista.
Autor: IFSC VERIFICA – 25/07/2023